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Nós estamos a viver como escravos no Moçambique independente: Dinâmicas de extractivismo no distrito

A primeira vez que fui para a Límbue, povoado do distrito de Lugela, na Província da Zambézia foi Junho de 2016, na altura ia fazer um pré-trabalho de campo sobre as comunidades que viviam com o Monte Mabu. O inverno já se fazia sentir, mas o sol ainda brilhava. A viagem de Mocuba para Lugela leva cerca de 3 horas de camião. Por seu tuno, uma viagem até Límbue pode levar cerca de 5 horas. Na altura a estrada era só de terra batida com muitas subidas e descidas. Voltei para Límbue em meados de 2017, e de novo em Abril de 2018 aquando do meu trabalho de campo. Nesse tempo a empresa Montagil já havia começado com as obras de construção da estrada que liga Mocuba a Tacuane com uma única faixa de rodagem para dois sentidos.


Estrada que liga Mocuba e Tacuane em 2016, foto tirado pelo autor


Ao longo da estrada de Mocuba para Límbue pode se notar os vastos campos de produção de mandioca ou milho pertencentes a pequenos agricultores familiares. Pode igualmente se notar as habitações feitas de barro e palha e algumas aves em redor. As áreas não usadas normalmente são habitadas por uma vegetação local e riachos cortando terras. O distrito exibe um verde e elevações montanhosas em todos os lados. Mas ao chegar em Límbue uma grande diferença se nota na paisagem. Em 2016, uma vasta terra aberta que havia sido prometida para a produção de árvore boracheira se mostrava nua e vermelha em toda a volta. Isto aqui era um mato que assustava, ainda bem que a empresa veio aqui, o meu motorista comentou no momento. O “desenvolvimento” bateu as portas do distrito! Quando regressei em 2017 e 2018, as árvores boracheiras já haviam sido plantadas e haviam já crescido consideralvemente.


Foto da terra aberta para plantio da arvore boracheira pela Mozambique Holdings em 2016, foto tirada pelo autor



A terra em questão fazia parte do fracassado projecto de colonização portuguesa através de prazos da coroa. A Sociedade de Madal foi estabelecida em 1903 pelo capital Mónaco que depois passou para o capital Norueguês em 1926. Esta sociedade começou a operar no norte de Moçambique no âmbito da campanha colonial portuguesa de transformar as terras que outrora pertenceram aos prazos da coroa em fontes de gestão de renda efectivas e maior intensifição do poder colonial. Madal foi uma das companhias que tiveram grandes porções de terra na província da Zambézia. Esta companhia em lugela traalhava na produção de chá. Outras empresas de plantação de chá tambem existiam em Lugela nomeadamente: Chá Tacuane, Emochá e Chá Palma Mira.


Em conversas com os mwenes – líderes locais – e comunidades aprendí que havia um entrosamento muito forte entre os proprietários destas empresas com a vida política, económica, social e simbólica das comunidades locais. Os mwenes sentiam que os seus valores eram respeitados e quando a chuva demorasse cair os gerentes das empresas aproximavam-se dos mwenes para junto destes realizarem o mucutu – cerimónia tradicional – para falar com os matoas – espíritos dos antepassados – e invocar a chuva. As comunidades podiam pedir transporte da empresa em casos de emergências. Essas constatações sombream a distinção estricta entre colonos e colonizados neste contexto.


Com a independência de Moçambique em 1975, a Madal foi uma das poucas empresas coloniais que se mantiveram em funcionamento, isso porque os Noruegueses foram considerados “bons colonos” pelo regime do então presidente Samora Machel. Entretanto, o início da guerra civil que teve como um dos principais palcos o disrito de Lugela viria a mudar o quadro social, economico, paisagístico e politico da área. Segundo relatos orais quando a guerra civil iniciou em 1987 na região, muitas das empresas coloniais começaram a fechar. Límbue foi considerada zona da RENAMO e sujeita a fortes investidas militares da FRELIMO. O distrito de Lugela era na altura controlado pela FRELMO. Os soldados da RENAMO atacavm as empresas locais e saqueavam ferros, chapas e outros materiais para vender em Malawi. Os membros das comunidades locais capturadas transportavam esses bens saqueados por longas distancias até as bases da RENAMO. Nesta região, as comunidades afirmam que fugiam tanto dos homens da RENAMO como dos homens da FRELIMO, pois ambos lados causaram danos a nível das comunidades.


Com o fim das hostilidades em 1992, Moçambique era um país enterado em críses económicas, sociais, políticas e ambientais tais como a fome e a seca. O país já havia abandonado os sonhos socialistas em 1987, e optou por uma viragem neoliberal, abrindo o mercado nacional para investidores internacionais num paaís que na altura era considerado de grande risco. Isso fez com que o governo fizesse grandes concessões para atrair o investimo internacional. Neste peíodo, muitas terras haviam sido abandonadas, em Lugela e as comunidades so comecaram a regressar a partir de 1994 para as suas ruinas. Lugela na altura havia sido tomado pela vegetacao e fauna que saiu dos abrigos das comunidades para as terras por estas abandonadas. Depois de muitas investidas pela parte do governo local de relaçar o descontinuado sonho capitalista de produzir chá e algodão para o mercado internacional, as terras foram adquiridas em 2015 pelo capital Indiano chamado Mozambique Holdings, Lda, que tem no seu portólio de actividades a mineração, venda de material militar, construção de estradas, transporte e logística. A empresa quando abriu o seu negócio em Lugela tinha o objectivo de introduzir a árvore boracheira para exportação. Este é o contexto em que entrei em contacto com a empresa e as comunidades desde meados de 2016 até início de 2018.



Na historiografia official a Guerra civil começou em 1976, um ano apôs a independência nacional, contudo, os efeitos e sentidos da mesma só se manifestaram em 1987* em Lugela. Os relatos orais contam que primeiro os membros da RENAMO não eram violentos com as comunidades so depois comecou a haver matancas de comerciantes e algumas figuras nas comunidades.



Foto da arvore boracheira da Mozambique Holdings em 2017, foto tirada pelo autor



Quando cheguei em Límbue, uma das principais inquietações que as comunidades levantavam em relação à Mozambique Holdings era a falta de respeito e tratamento desumano aos trabalhadores e comunidades locais que os gestores da mesma tinham. Quando a empresa adquiriu as terras de cerca de 10.000 hectares as comunidades locais haviam saido dos seus abrigos na montanha e ocupado as terras da antiga Madal para a produção agrícola e habitação, por exemplo, grande parte da comunidade de Nangaze estava nas terras da Madal. Estes foram retirados mediante pagamento de indemnizações que as comunidades consideraram muito injustas. Houve de facto antes da implementacao da empresa consultas comunitárias em que as comunidades foram prometidas empregos, desenvolvimento, construção de escolas e hospitais o que facilitou a aceitação da mesma na comunidade. Os sonhos de modernização conquistaram terreno de novo. Contudo, com o andar do tempo as promessas e juras foram tomando outras configurações, chegando um dos membros da comunidade a gritar: nós estamos a viver como escravos no Moçambique independente.


Os tabalhadores e membros das comunidadess adicionaram que os trabalhadores são tratados que nem escravos, trabalham das 4h até as 16h, numa taxa diária de 100mts ( aprox. USD1.2). Esta taxa é paga se o trabalhador completar uma determinada tarefa que os tabalhadores consideram inantigíveis num dia só, sendo normal um trabalhador usar dois dias para terminr uma tarefa diária, recebendo assim 100mts/dois dias. Perguntei a um dos trabalhadores que depois abandonou a empresa e foi para Nampula trabalhar como pedreiro, quanto ele podia ganhar por mês, e ele respondeu 2000mts (USD33) no máximo, porem esse valor dificilmente era alcançado por mês devido a sucessivos cortes. Os cortes eram feitos em caso de ocorrência de chuvas que impedissem o trabalho, neste sentido, os trabalhadores por mais que tenham andado mais de 20km a pé para ir ao trabalho não eram pagos. Os gerentes as vezes traziam sapatos ou matavam vacas para vender de forma compulsiva aos trabalhadores, para depois descontar dos seus já míseros salários. As ferramentas de trabalho que os trabalhadores usam são pessoais, a empresa disponibiliza apenas o fardamento. As habitações dos trabalhadores são precárias. Os trabalhadores embora tenham intervalos para as refeições essas não são disponibilizadas pela empresa. As refeiçõe são trazidas pelas parceiras que também têm que andar quilómentros a pé até a empresa, fragilizando mais ainda a produção familiar uma vez que a produção agrícola familiar é a principal fonte de renda.


A nível de relacionamento com as comunidades, os mwenes afirmam que os gestor constantemente lhes falta com respeito e quando se aproximam do gestor normalmente são atendidos em pé e não disponibilizados cadeiras para se sentarem. Na nossa cultura essa é uma ofensa contra qualquer pessoa não importa a idade e origem. Se alguem visita essa pessoa ‘e dada cadeira antes de ser atendida. Ademais as comunidades sentem que a empresa criou um vacuo social com a comunidade e pouco impacto tem no melhoramento das condicoes destas.


Ao ouvir essas constatações repugnantes uma das questões que me surgiu à mente foi: já tentaram informar o governo? Um dos líderes da comunidade afirmou que quando foi ter com o gestor para amenizar essas situações o mesmo disse-lhe que não vai mudar nada pois o empreendimento esta ligado a uma das elites políticas em Mocambique. Essa ligação ao que parece serve de proteccão ou inoculaão contra qualquer intervencão jurídica ou administrativa local, provincal ou nacional. O facto de o distrito estar literalmente a mendigar por investimento e desenvolvimento piora a situação. Os trabalhadores já receberam visitas de oficiais públicos e do proprio minístro de Agricultura e Seguraça Alimentar, Jose Pacheco, mas estes nunca se manifestavam por recear retaliações e perder emprego. Já houve casos em que os trabalhadores combinaram manifestar as suas inquietaçóes em conjunto mas quando chegasse uma visita ou a empresa seleccionava os que poderiam intervir ou os outros depois perdiam coragem. Os que ousaram se manifestar foram expulsas posteriormente.


Quando fui ter uma entrevista com o gestor da empresa, que os locais chamam de Rangá e perguntei-lhe sobre a relação que existia entre a empresa e as comunidades este simplesmente disse não existe nenhuma relação entre a empresa e as comunidades, eles são trabalhadores e nós somos empregadores apenas. Não existe de facto nenhuma tentativa da empresa em criar uma relação mais horizontal e benéfica para todas as partes envolvidas, em grande parte devido a lógica capitalista de maximização de lucros e diminuição de despesas, embebida num contexto de carência, fragilidade do governo e elites economicas e politicas nacionais que permitem que seus concidadãos sejam tratados como escravos para os seus ganhos económicos.


Foto de criancas filhos dos camponeses esperando pelo regresso dos pais, foto tirada pelo autor


Todos os trabalhadores sazonais da empresa são camponeses, o que significa que enquanto estao a trabalhar ou têm que abrir mão das suas machambas ou pagar alguem para trabalhar nelas num contexto de emprego precário e desumano. Nestas condições abandonar o emprego significa abdicar de toda a fonte de renda que possa alimentar aos trabalhadores e seus agregados familiares. Muitos trabalhadores que foram expulsos ou deixaram o emprego devido a essas condições tiveram que ir procurar emprego noutros lugares pois perderam uma campanha agrícola. Esta situação torna a ideia de Ministério da Agricultura e Segurana Alimentar uma contradição, uma vez que este aposta em agricultura comercial virada para exportação que acaba absorvendo a terra, a água e os camponeses que deviam produzir para poder alimentar os seus agregados familiares, por conseguinte, criando uma situação de insegurança alimentar e enfraquecimento da vida comunitária em Lugela.


Enquanto a solução para os membros da comunidade é mudar a gerência da empresa, eu segundo outros especialistas acredito que enquanto o maior foco do governo for a agricultura de rendimento para exportação, o Ministerio pouco faz pela segurança alimentar que faz parte do seu nome.


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* Na historiografia official a Guerra civil comecou em 1976, um ano apos a independencia nacional, contudo, os efeitos e sentidos da mesma so se manifestaram em 1987 em Lugela. Os relatos orais contam que primeiro os membros da RENAMO não eram violentos com as comunidades so depois comecou a haver matancas de comerciantes e algumas figuras nas comunidades.



















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